Direito processual civil. Liquidação de sentença que condene a União a indenizar prejuízos decorrentes da fixação de preços para o setor sucroalcooleiro. Recurso repetitivo (Art. 543-C do CPC e RES. 8/2008-STJ)
No que diz respeito à aferição do prejuízo experimentado pelas empresas do setor sucroalcooleiro em razão do tabelamento de preços estabelecido pelo Governo Federal por intermédio da Lei 4.870/1965, definiu-se que: a) cabe à Administração interveniente no domínio econômico arcar com os prejuízos efetivamente suportados pelas usinas, uma vez que não foram considerados os valores apurados pela Fundação Getúlio Vargas - FGV para o custo da cana-de-açúcar e seus derivados, consoante prevê os arts. 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965; b) tratando-se de hipótese de responsabilidade civil objetiva do Estado, necessária a demonstração da ação governamental, nexo de causalidade e dano; c) não é admissível a utilização do simples cálculo da diferença entre o preço praticado pelas empresas e os valores estipulados pelo IAA/FGV, como único parâmetro de definição do quantum debeatur; d) o suposto prejuízo sofrido pela empresa possui natureza jurídica dupla: danos emergentes (dano positivo) e lucros cessantes (dano negativo), que exigem efetiva comprovação; e) nos casos em que a ação de conhecimento é julgada procedente, o quantum da indenização pode ser discutido em liquidação da sentença por arbitramento, em conformidade com o art. 475-C do CPC, podendo, inclusive, chegar a dano em valor zero; f) simples critério jurídico (descumprimento da Lei 4.870/1965) não pode servir como único parâmetro para definição do quantum debeatur , limitando-se a reconhecer o an debeatur; e g) só há pertinência lógica-jurídica em se questionar a fixação de preços no setor sucroalcooleiro, por descumprimento do critério legal previsto no art. 10 da Lei 4.870/1965, durante o período de eficácia dessa norma, ou seja, até o advento da Lei 8.178/1991 (4/3/1991). De fato, a União tem, em princípio, responsabilidade civil objetiva por prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo Instituto do Açúcar e Álcool (IAA) para o setor sucroalcooleiro em descompasso com levantamento de custos de produção apurados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e, dessa forma, em desacordo com os critérios previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965, em razão da aplicação da teoria do risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da CF. Todavia, a adoção da responsabilidade objetiva do Estado não dispensa a prova dos elementos configuradores da imputação, quais sejam: o fato ou a ação, o dano dele decorrente e o nexo de causalidade. Nessa conjuntura, há de se ressaltar que existem precedentes do STJ sustentando o entendimento de que, diante do reconhecimento, por perícia judicial, de que os valores praticados pelas usinas, em obediência à determinação governamental, seriam inferiores aos preços calculados com base nos custos de produção levantados pela FGV, bastaria o simples cálculo aritmético dessas diferenças, multiplicadas pelo período da intervenção estatal no setor – respeitada a prescrição –, para fim de liquidação do quantum debeatur (REsp 783.192-DF, Primeira Turma, DJ 3/12/2007; REsp 1.110.005-DF, Primeira Turma, DJe 5/10/2010; REsp 1.066.831-DF, Segunda Turma, DJe 23/11/2011; e REsp 1.186.685-DF, Segunda Turma, DJe 24/5/2011). Não se pode, todavia, impor ao Estado o dever de indenizar sem que haja efetiva comprovação do dano supostamente causado, uma vez que o dano representa elemento fundamental para a apuração da suposta ilicitude do ato estatal. Além disso, o suposto prejuízo sofrido pelas usinas possui natureza jurídica dupla, isto é, de danos emergentes (dano positivo) e de lucros cessantes (dano negativo), que exigem efetiva comprovação, seja de redução patrimonial, seja de supressão de ganhos; não se admitindo uma indenização por danos emergentes ou lucros cessantes hipotéticos que não tenham suporte na realidade fática efetivamente provada, alicerçada apenas em descumprimento de critério legal. A título exemplificativo, digamos que a FGV tenha apurado, para determinada região brasileira, uma estimativa de custo de produção da tonelada de cana-de-açúcar no valor de R$ 100,00 e, no mesmo período, o governo federal, por meio do IAA, tenha tabelado a tonelada da cana em R$ 90,00 para comercialização. Nesse caso, haveria, em tese, uma perda financeira de R$ 10,00 por tonelada, que supostamente ocasionaria prejuízo, sem falar na margem de lucro, pressuposto de qualquer atividade capitalista, que deixaria de ser contabilizada. Contudo, deve-se perguntar: esse cenário é o mesmo durante todo o período em que o governo desconsiderou o preço real da tonelada da cana? É óbvio que não. Isso porque, no período, os preços sofrem oscilações e, além disso, também existem, por certo, oscilações no custo da produtividade – em razão dos custos dos insumos que também são variáveis no tempo e no espaço –, que somente são passíveis de verificação pelos registros nos balanços patrimoniais. Ademais, as perícias contábeis podem, em algumas situações, chegar à conclusão de que determinadas usinas tiveram, nesse mesmo período, grandes lucros, com significativo incremento patrimonial, apesar de terem se submetido à intervenção estatal contrária aos ditames da Lei 4.870/1965; haja vista, inclusive, que as empresas mais modernas, com equipamentos mais arrojados têm produtividade bem acima daquelas que não se modernizaram. Nesse contexto, a adoção do entendimento segundo o qual a simples apresentação, pelo credor, de cálculo aritmético das diferenças existentes entre os preços praticados pelas usinas, em obediência à determinação do IAA, e os valores calculados com base nos custos de produção levantados pela FGV é suficiente para o fim de liquidação do quantum debeatur – dispensando-se, portanto, a comprovação pericial do prejuízo –, levaria ao absurdo de se afirmar ocorrer dano por decorrência de um simples descumprimento de critério jurídico, o que poderia não corresponder à realidade fática. Diante do exposto, deve-se ressaltar que a jurisprudência do STJ reconhece que “o enunciado do art. 459, paragrafo único, do CPC deve ser lido em consonância com o sistema que contempla o princípio do livre convencimento (art. 131 do CPC), de sorte que, não estando o juiz convencido da procedência da extensão do pedido certo formulado pelo autor, pode reconhecer-lhe o direito, remetendo as partes para a liquidação” (REsp 819.568-SP, Terceira Turma, DJe 18/6/2010). Ademais, advirta-se, não se trata de provar fatos novos (dai não ser a liquidação por artigos); o cerne da discussão são os elementos passados, inseridos na contabilidade. Há, inclusive, que admitem a possibilidade de inexistência de apuração de dano em liquidação de sentença condenatória: dano em valor "zero" (REsp 1.280.949-SP, Terceira Turma, DJe 3/10/2012; e REsp 1.170.338-RS, Primeira Turma, DJe 13/4/2010). De mais a mais, há teses distintas em relação ao termo final da intervenção governamental no setor sucroalcooleiro (isto é, da limitação de eficácia da Lei 4.870/1965). Nesse ponto, pode-se enumerá-las, com destaque para os seus respectivos marcos temporais: 1) até 28/2/1986, quando foi estabelecido o primeiro controle de preços para a economia brasileira, pelo Decreto-lei 2.288/1986 (Plano Cruzado) – entendimento do Ministro Herman Benjamin no REsp 771.787-DF –; 2) até 7/5/1990, quando foi extinto o IAA pelo Decreto 99.240 e, com isso, desapareceu o poder de controle preconizado no art. 10 da Lei 4.870/1965 – entendimento do Ministro Castro Meira no REsp 771.787-DF –; 3) até 4/3/1991, quando a Lei 8.178/1991 autorizou o Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento a regular os preços de todos os setores da economia nacional – inclusive do setor sucroalcooleiro –, sem a necessidade de submissão a qualquer critério de levantamento de custos, promovida por terceira entidade, seja privada ou particular; revogando tacitamente, portanto, o art. 10 da Lei 4.870/1965; e 4) até 1º/5/1998, quando a Portaria 294, de 13/12/1996, editada pelo Ministro da Fazenda, sujeitou a cana-de-açúcar, e seus derivados, ao regime de preços liberados. Nessa contextura, em análise de todo o arcabouço jurídico sobre o tema, em especial, à luz do argumento referente ao critério de fixação de preços em descumprimento do art. 10 da Lei 4.870/1965, deve prevalecer a terceira tese, no sentido de que o advento da Lei 8.178/1991 efetivamente significou ruptura à antiga sistemática de preços regulada pelo IAA, consoante determinado pela Lei 4.870/1965, ou seja, até 4/3/1991. Realmente, esse marco temporal não deixa dúvida, porque cai por terra o poder regulamentador sobre preços de qualquer outra autoridade senão o Ministro da Fazenda. Tanto é assim, que a partir da Lei 8.178/1991 passou o Ministério competente a regular diretamente o setor, sem a necessidade de submissão a qualquer critério de levantamento de custos, promovida por terceira entidade, seja privada ou particular. Ora, se a partir da referida lei a atuação do governo federal gerou dano ao setor sucroalcooleiro, eventual demanda judicial não pode, por decorrência lógica, fundar-se em disposição da Lei 4.870/1965, e sim nos novos atos ministeriais. Desse modo, só há pertinência lógica-jurídica em se questionar a fixação de preços no setor sucroalcooleiro, por descumprimento do critério legal previsto no art. 10 da Lei 4.870/1965, durante o período de eficácia dessa norma, isto é, até o advento da Lei 8.178/1991 (em 4/3/1991). REsp 1.347.136-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/12/2013.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Direito processual civil. Liquidação de sentença que condene a União a indenizar prejuízos decorrentes da fixação de preços para o setor sucroalcooleiro. Recurso repetitivo (Art. 543-C do CPC e RES. 8/2008-STJ) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2014, 08:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos Temáticos/40686/direito-processual-civil-liquidacao-de-sentenca-que-condene-a-uniao-a-indenizar-prejuizos-decorrentes-da-fixacao-de-precos-para-o-setor-sucroalcooleiro-recurso-repetitivo-art-543-c-do-cpc-e-res-8-2008-stj. Acesso em: 29 jul 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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